Renato Alt
Fui apresentado ontem, por um amigo daqui, à expressão “Kyiv Anxiety”: “ansiedade de Kiev”.
Ela se aplica àqueles que estão sempre ligados nos alertas, avisos e sirenes, mapeando bunkers e revendo procedimentos, enquanto outros não dão mais atenção a isso. Não é pejorativa, só distingue quem se comporta de uma forma de quem se comporta de outra.
Ele trouxe isso à tona porque estávamos em Kiev e outra pessoa no grupo (éramos quatro) veio nos mostrar que o aplicativo alertava para a possibilidade de ataque aéreo ali (todos usamos apps que alertam sobre isso).
A questão é que, aqui, alertas e sirenes não param. Agora, enquanto escrevo, há um alerta ativo há mais de 3h. Ontem, ele disparou pela manhã e só parou depois das 14h, para voltar alguma horas mais tarde. Aqui na universidade, os alunos foram, como sempre, para os bunkers; mas houve aqueles que “fugiram” (porque eles têm que ir) enquanto cidadãos nas ruas seguiam como se nada estivesse acontecendo.
As pessoas que atendemos aqui estão nessa “categoria”: seguem a vida, porque, afinal, que opção têm? E isso define, também, como eu e a equipe aqui precisamos agir. Se, por exemplo, tivéssemos corrido para o bunker ontem, mais de duas centenas de pessoas (média) deixariam de receber aquela que é, possivelmente, a única refeição que fazem no dia – e não poucos levam, também, porções para outras pessoas em casa; além disso, todos os dias, um grupo de homens vem buscar porções para levar para um asilo e servir 29 idosos que abrigam lá.
Essa primeira semana aqui em Irpin/Kiev se mostrou desafiadora, claro, mas principalmente sublinhou a importância do que fazemos e de para quem fazemos, que vai muito além dos limites desse refeitório.
Quanto aos riscos aqui, é claro que não vamos nos expor gratuitamente; qualquer indício de algo mais próximo acontecendo, temos bunkers para onde correr (um está exatamente sob meu quarto). Mas, fora isso, nossa confiança não pode estar em apps, sites ou sons. Afinal, há uma missão a cumprir, e nós estamos juntos nela.
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Renato Alt: Renato Alt é redator, ator e faz-tudo no campo missionário. É Voluntário Sem Fronteiras, da Junta de Missões Mundiais.