Scroll Top
Artigos da Aliança
Untitled-2

A instituição sagrada ou os pavões religiosos?

Aumentam as verdadeiras empresas religiosas, onde a falta de temor de Deus e de responsabilidade coletiva têm produzido sucessão interminável e deplorável de escândalos.
Por: Robinson Cavalcanti 
A

s instituições surgem no coração de Deus. Ele criou os seres humanos como seres sociais e culturais, destinados a continuar a obra da criação. A humanidade foi marcada pela entropia espiritual, decorrente da queda, do pecado original, mas não teve revogado nem a dignidade e os atributos da imago dei (imagem de Deus) nem a tarefa do mandato cultural (criadora de cultura). O estado da natureza caída é marcado pela lei da selva: a violência e a opressão como expressões do egocentrismo. Tal realidade negativa conduziria, inexoravelmente, a humanidade à destruição e impossibilitaria a construção da cultura e da civilização. Assim, as instituições surgem no coração de Deus como expressão da sua providência na história, para conter “o homem como lobo do homem” e tornar possíveis (entre a ordem da criação, do Éden, e a ordem da restauração, da Nova Jerusalém) a vida em sociedade e, ainda que limitado e aquém do ideal, o mandato cultural. As instituições políticas (o Estado), sociais (famílias, associações), econômicas (organização do trabalho produtivo) e culturais (escola, arte, imprensa) formam um conjunto fundamental, complementar e dinâmico, como componentes para, na expressão dos Pais da Igreja, promoverem o bem comum. Israel e a Igreja —como alianças — são instituições especiais no coração de Deus, na providência histórica e na economia da salvação. A Israel Ele mesmo dita os pormenores de sua organização; na Igreja essa organização é elaborada pelas autoridades ungidas e pelo consenso dos éis, sob a iluminação do Espírito Santo. Destacamos a importância da leitura do Pentateuco e dos Atos dos Apóstolos. A leitura dos profetas, por sua vez, não nos depara com adversários da instituição, a combatê-la, mas com alguém que se sente parte da instituição, denuncia os seus erros e desvios, e luta pela sua adequação aos propósitos para os quais foi originalmente concebida. Os profetas não eram desvairados individualistas, narcisistas e megalômanos, mas humildes porta-vozes de Deus ao povo e expressavam um forte sentido de pertencimento. A Igreja, por sua vez, não é formada apenas pela “nuvem de testemunhas” (a
“igreja triunfante dos que já partiram para a glória”), nem é algo etéreo, metafísico, fantasmagórico, denominada, impropriamente, de “invisível”. Também não se resume ao tribalismo isolacionista e fragmentário de suas expressões locais e denominacionais, mas é povo, nação, raça, no conjunto de seres sociais concretos, inter-relacionados, organizados (com autoridades e normas), en m, instituição. Como instituição, a Igreja é ensaio, vanguarda, sinal e sacramento (concreto canal de graça) de Deus na história, acumulando experiências e práticas, acertos e equívocos, organizando-se, reformando-se na construção da tradição como “herança da fé viva dos que já morreram”, como vivência concreta, multissecular e multicultural da revelação.

Pecado narcisístico

A atitude agressivamente anti-institucional é uma marca evidente da rebelião e do pecado. Ao longo dos séculos, personalidades emocional e espiritualmente enfermas, egocêntricas e egoísticas, megalômanas e narcisistas, arrogantes, pretensiosas, orgulhosas e vaidosas têm sido instrumentos da carne e de Satanás para fracionar e dilacerar o Corpo de Cristo, rasgando, outra vez, a “túnica inconsútil e promovendo a heresia pela adição, subtração ou parcialização da revelação”. Essa tem sido, em particular, uma das tragédias do cristianismo atual, com a caótica e desordenada proliferação de denominações, sub denominações e “ministérios” (novo eufemismo) exóticos, sectários, rebanhos doentes centrados no culto à personalidade dos caudilhos eclesiásticos. Aumentam as verdadeiras empresas religiosas, onde a falta de temor de Deus e de responsabilidade coletiva têm produzido sucessão interminável e deplorável de escândalos: manipulação, mentira, difamação, privatização indébita do gazo lácio, patrimônio incompatível com a renda, apropriação indevida de propriedades, exploração dos órfãos e das viúvas, promiscuidade com poderes e poderosos deste mundo, fuga da transparência, da prestação de contas, da obediência às normas (do Estado e da Igreja), insubmissão às autoridades constituídas por Deus e aos preceitos ditados por Ele. A história já nos ensinou que o anti-institucionalismo leva, inevitavelmente, ao surgimento de novas (e mais imaturas) instituições, centradas no homem (ou na mulher) “providencial”, “superior”, “puro”: “apóstolos”, “profetas”, “missionários” e “mestres”, auto-referidos, auto-intitulados e auto-legitimados. São expressões do poder personalizado (Duverger) e da legitimação carismática (Weber), que, na fragmentada conjuntura pós-moderna, conduzem a Igreja de Cristo a um espetáculo deprimente, a clamar por uma nova Reforma.

Corpo humilde

Quando, há mais de quarenta anos, conheci o evangelho, o protestantismo brasileiro demonstrava uma unidade na diversidade, em torno da Confederação Evangélica Brasileira (CEB). Havia um número reduzido de denominações, marcadas pela seriedade, pela profundidade e pela ética, cujos expoentes não buscavam a própria glória, mas serviam ao reino e a suas instituições. Gostaria de sublinhar, na minha região Nordeste, as guras íntegras de Jerônimo Gueiros, presbiteriano, e Munguba Sobrinho, batista, entre tantos outros. Tal sóbria e piedosa geração foi substituída pela geração dos gigantes denominacionais, mas ainda com ética e compromisso institucional, que deu lugar, em seguida, à geração dos “taumaturgos de holofotes”, caciques de todos os naipes, detentores de impérios religiosos e poços de vaidades de águas turvas. Episódios recentes da nossa história (dentro e fora da Igreja) não têm sido dos mais edificantes ou encorajadores. Os antigos e sérios ramos do cristianismo representam o legado do passado e a esperança do futuro, porque são portadores de uma eclesiologia, de uma doutrina, de um conjunto de princípios e normas, pelo sentido do coletivo e do serviço. Estamos convencidos, por outro lado — e com lamento —, de que o alvoroço superficial e efêmero do culto-espetáculo, do evangelho mutilado, dos “astros” e “estrelas”, dos “super-homens” e “super mulheres” ainda nos causará grandes males. Oremos e nos quebrantemos ante o Senhor da Igreja, para que sejamos uma fraternidade de irmãos e irmãs, co-responsáveis, unidos pelos laços de afeição, humildes, servos de Deus e uns dos outros… “para que o mundo creia”. Pois a voz do Senhor vem sempre pela voz conjunta dos seus ungidos na instituição, e não por uma “internet celestial”, ligada diretamente nos cérebros dos pavões eclesiásticos.

autor: Robinson Cavalcanti

Dom Robinson Cavalcanti foi bispo da Diocese Anglicana do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada. Ambos pela Editora Ultimato.

Artigo publicado originalmente pela Revista Ultimato, ed. 288, mai-jun 2004.

Posts relacionados

Comments (2)

Oieeeeeeeeeeeeeeeeee teste

Robinson deixou legado. Intelectual que praticava o evangelho.

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Privacy Preferences
When you visit our website, it may store information through your browser from specific services, usually in form of cookies. Here you can change your privacy preferences. Please note that blocking some types of cookies may impact your experience on our website and the services we offer.