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“OS DOZE ARTIGOS SOBRE FÉ E SEXUALIDADE”: UMA JUSTIFICATIVA

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Por Guilherme de Carvalho

Movidos pelo interesse da própria Aliança Cristã Evangélica Brasileira, que estabeleceu no Encontro de 2024, em Jacareí, um GT para tratar do assunto de fé e sexualidade, e pelo nosso próprio empenho e interesse  anteriores no tema, a teóloga Andrea Vargas, o Rev. David Riker, o Rev. Dr. Pedro Lucas Dulci, o pastor e educador Igor Miguel, a jurista Dienny Riker e eu, Guilherme de Carvalho, unimos nossos esforços na escrita e revisão de uma declaração sobre fé e sexualidade. A declaração foi aceita pelo GT, que incluía ainda os pastores Olgávaro Bastos Jr, Ricardo Bitun e Cassiano da Luz, diretor-executivo da Aliança, e após apresentação e debate com líderes presentes no Encontro de Agosto de 2025, também em Jacareí, e um longo processo de revisão, foi aprovada em Outubro de 2025 pelo Conselho Coordenador da Aliança.


ACESSE AQUI: DOZE ARTIGOS SOBRE SEXUALIDADE


Sabendo que muitos pastores e líderes compreendem a importância do assunto, embora  não tenhamos necessariamente a mesma experiência ou proximidade com o tema, em Agosto de 2025,  apresentei aos irmãos uma justificativa teológica em cinco pontos para a adoção desta declaração.

  1. A QUESTÃO SEXUAL É TEOLOGICAMENTE ESSENCIAL

Quão importante é a questão da ética sexual para a vida cristã? Em termos bíblico-teológicos, o principal motivo para considerarmos essa questão como essencial é a própria estrutura da narrativa bíblica. Como foi belamente apontado pelo teólogo Matthew Levering em “Engaging the Doctrine of Marriage”[1], a união sexual no casamento é a analogia bíblica principal para descrição da relação de Deus com seu povo. Essa imagem se desenvolve desde os profetas até o Novo Testamento, que por sua vez vincula explicitamente a ordem sexual criacional em Gênesis 1-2 com a união escatológica entre Deus e seu povo. O arco narrativo bíblico começa e termina, assim, com o casamento.

Nesse sentido, não somente a concepção bíblico-canônica de casamento, em sua evolução na história da revelação, mas as próprias estruturas da ordem natural, desde as bases biológicas do comportamento sexual humano até às intuições morais e institutos culturais, fornecem as imagens fundamentais para a compreensão da relação de Deus com os homens. De fato, as concepções de “casamento”, “sexo”, “marido” e “esposa”, “pais” e “mães”, “geração”, “adoção, “filhos” e “filhas”, “irmãos” e “irmãs”, “famílias” e mesmo “povo”, todas essenciais no imaginário religioso e teológico bíblico, pertencem ao mesmo conjunto significante de experiências humanas básicas de corporeidade, sexualidade e família. Não apenas essas experiências mais elementares  de viver e relacionar-se constituem o ponto de partida humano para a teologia,  mas também alimentam a gramática moral básica para as relações do povo de Deus com Deus.

Esse modo de construir a teologia moral cristã é notoriamente evidente no discurso do apóstolo Paulo, que emprega a união conjugal como uma ferramenta bivalente, tanto esclarecendo o modo da relação de Deus com o seu povo, quanto orientando a maneira como as relações humanas devem funcionar, começando com o próprio casal cristão. Faz todo o sentido, assim, que o apóstolo tenha se preocupado, em várias de suas cartas, com a qualidade da vida sexual dos membros das igrejas, como fica notoriamente claro em suas cartas aos Tessalonicenses, aos Coríntios e aos Efésios, em particular.

Nesse sentido, uma perversão no entendimento do sentido teológico do corpo, do casamento e da família traz em si um tremendo potencial de destruição das categorias teológicas básicas para a ética cristã e até mesmo para o entendimento de Deus. Um experimento mental muito simples, mas que corresponde à experiência de gabinete pastoral de muitos pastores e conselheiros cristãos, caberia bem aqui: como explicar a paternidade de Deus em uma cultura que distorceu completamente, seja pelo chauvinismo patriarcal, seja pela ideologia de gênero, o verdadeiro sentido da paternidade? Como falar em “Deus Pai” entre pessoas que odeiam o próprio conceito de “pai”? Como falar em “família de Deus” entre pessoas que defendam, como o faz a pensadora feminista Sophie Lewis, a “abolição da família”?

Mas o perigo é ainda mais profundo: na ausência, não apenas de conceitos, mas de casamentos nos quais a submissão mútua, a paciência e o amor agápico sejam demonstrados de forma genuína e consistente, dá-se a real falência da gramática teológico-moral do cristianismo. As palavras podem seguir existindo, mas perdem seus referentes vitais, solapando as próprias bases da mensagem evangélica. Afinal de contas, o evangelho se dirige a um universo, não a um vazio: gratia non tollit naturam, sed perficit[2]. O evangelho da graça não se projeta no mundo sem corpo, e a sua corporificação material e visível sempre é uma criatura renovada por sua presença.

Nosso argumento aqui pode ser iluminado pelas distinções de Dietrich Bonhoeffer sobre o “penúltimo” e o “derradeiro”, segundo o qual as coisas penúltimas, mesmo não sendo as mais importantes, formam o ponto de partida e o contexto para as coisas últimas e escatológicas, essas sim supremas. O casamento seria, por analogia, como uma espécie de “João Batista”, infinitamente inferior a Jesus mas, ao mesmo tempo, o único caminho de preparação messiânica. A gramática moral e social fornecida pela natureza e consagrada nas Escrituras seria o “penúltimo” necessário para a teologia e a ética evangélica.

“Dar o pão ao faminto ainda não significa anunciar-lhe a justificação pela graça de Deus; e ter recebido o pão ainda não importa em crer. Mas para aquele que sabe do derradeiro e em sua função o faz, essas coisas penúltimas estão relacionadas com o derradeiro. É algo penúltimo. A vinda da graça é o derradeiro… Mas temos que falar das coisas penúltimas por causa dos radicais, que fracassam perdendo-as, e por causa daqueles aprisionados no penúltimo e que precisam ser reivindicados para o último.”

“Onde o ser humano se torna objeto, mercadoria, máquina, onde as estruturas são destruídas arbitrariamente, onde não se distingue mais entre ‘bem’ e ‘mal’, ali se coloca, além da pecaminosidade e da perdição geral do mundo, mais um obstáculo à aceitação de Cristo. Ali o mundo se autodestrói e ameaça tornar-se seriamente diabólico.”

“Em meio a este mundo caído e perdido, faz diferença perante Deus se o ser humano respeita ou quebra a ordem do matrimônio, se pratica o direito ou arbitrariedade. Não há dúvida de que continua pecador também quem respeita o matrimônio e protege o direito. Mas permanece a diferença se as ordens penúltimas são observadas e levadas a sério ou não. Faz parte da preparação do caminho respeitar o penúltimo e fazê-lo vigorar por causa do derradeiro que se aproxima.” [3]

Nesse sentido, todo movimento contrário à ética sexual bíblica e que busca a sua desconstrução poderia ser caracterizado como o sinal do diabólico; porque, nesse caso, não temos a mera violação da regra, mas tentativa de dissolução da própria ordem criada. Essa é sempre a marca do demoníaco: para além da mera ilusão transgressora que deseja existir de modo autônomo, e que se chama pecado, a vontade mentirosa que engana com o fim de destruir a própria existência e desmanchar a criação divina.

Vivemos em uma sociedade em franco conflito com o Criador e com toda a noção de que exista uma realidade normativa sólida, para além da subjetividade do eu, dos desejos do indivíduo e das construções socioculturais. Nesse sentido, enfrentamos um novo tipo de gnosticismo, não de caráter metafísico, mas de caráter psicológico-terapêutico, no que se convenciona chamar de “cultura do Self”.[4] A negação dessas ordens e sua subversão no imaginário moral contemporâneo devem ser vistas como ataques demoníacos à ordem criacional e, assim, às estruturas de plausibilidade da própria evangelização e da imaginação teológica evangélica, constituindo uma ameaça sistêmica a aspectos essenciais da fé Cristã.[5]

  1. A QUESTÃO SEXUAL É PASTORALMENTE URGENTE

De certo modo, essa afirmação é um truísmo; a questão sexual é urgente para quase todos os seres humanos, em todos os lugares e em todos os tempos. É urgente para adolescentes empapados de hormônios, com toda a certeza. Enquanto houver adolescentes, a questão está posta!

Mas a gravidade do assunto é muito maior do que isso. Pois o mal corrompe as coisas mais valiosas da nossa vida, e torna as maiores possibilidades de alegria em tragédia e miséria. A questão sexual é dramaticamente urgente para crianças abusadas, para adolescentes sem beleza e ignorados, para jovens e adultos viciados em pornografia, para casais sem vida sexual, para casais adúlteros, para indivíduos envolvidos com prostituição e infidelidade, para pastores com casos extraconjugais, para membros de igreja que praticam a homossexualidade em segredo, para pessoas apaixonadas e não correspondidas, para crentes não-celibatários que “sobraram” e sofrem com a solidão, e para inúmeras variações desses temas.

Qualquer líder envolvido com a vida pastoral sabe sobre as dores terríveis que alcançam o gabinete pastoral associadas com os pecados e enfermidades afetivo-sexuais que ardem na alma e nos corpos dos crentes – para não dizer dos incrédulos. O caso, no entanto, é que muitos de nós tem testemunhado um agravamento desse sofrimento, acompanhando o grande fenômeno da revolução sexual moderna. Essa revolução ofereceu a liberação sexual como uma promessa de saúde mental, maturidade pessoal e comunhão humana que evidentemente não se realizou. Segundo robusta evidência recente, os valores dessa revolução produziram menos sexo e aumentaram o sofrimento emocional humano, particularmente para mulheres e crianças, segundo o cientista social Mark Regnerus.[6]

A questão é, portanto, pastoralmente urgente, tanto por ser universal e multigeracional quanto por essa contingência histórica, que é a revolução sexual e a piora no florescimento humano. Mas a essas razões, adiciona-se um problema recente que se tornou interno para as igrejas: o fato de que precisamos lidar, agora, com infiltrações ideológicas no campo da imaginação moral que fazem os valores da revolução sexual parecerem compatíveis com o evangelho. Desse modo, a questão sexual assume contornos inéditos para a vida pastoral e eclesial, demandando uma ação em outro nível: não apenas a cura e o consolo pastoral, mas a reflexão crítica, a pregação e a instrução pública, e a disciplina moral contra as distorções da ética sexual evangélica.

A resposta a isso não pode ser apenas paroquial: faz-se necessária uma voz clara, pública e uníssona em defesa de uma ética sexual bíblico-canônica e evangélica.

  1. A QUESTÃO SEXUAL É MISSIOLOGICAMENTE URGENTE

Há um conjunto crescente de evidências de que a privatização e paroquialização da questão sexual está diretamente associada à secularização da sociedade e, por conseguinte, à crise da presença e missão da igreja.

A investigação do Dr. Joseph Heinrich, professor de antropologia evolutiva da Universidade de Harvard, levou à articulação de uma nova teoria das origens da civilização ocidental moderna segundo a qual suas fundações primárias não se encontrariam na revolução copernicana do pensamento, no modo capitalista de produção econômica, na ética protestante do trabalho ou revolução industrial, mas em um processo muito mais longo e basal: 1000 anos de normatização do casamento monogâmico heterossexual segundo o modelo sacramental/pactual pela ação da igreja católica.[7] A hegemonia do casamento cristão com sua ética sexual associada teria levado enfraquecimento do tribalismo, do coletivismo e do patriarcado antigo, produzindo culturas altamente prosociais e cooperativas, comparativamente menos violentas, mais igualitárias e mais ricas.

Essa grande e longa transformação micropolítica, com a derrota de outros modelos de organização sexual e de política reprodutiva, teria lançado as bases para a vida cívica moderna, para os direitos individuais e para a ética protestante do trabalho explanada por Max Weber, a qual seria nada mais que um “booster-shot” na construção de uma sociedade comparativamente muito mais livre, complexa e produtiva do que outros modelos antigos.

Uma implicação da tese de Henrich é que o abandono da ética sexual Cristã pode tanto sinalizar a superação da modernidade quanto a evidência de seu desmoronamento.

Uma segunda evidência significativa para a nossa discussão é a mais nova teoria da secularização religiosa global, lançada recentemente pelo cientista político Ronald Inglehart, criador com Chris Welzel da teoria pós-materialista da sociedade moderna e coordenador da World Values Survey[8]. Segundo a teoria pós-materialista, em sociedades afluentes, mais individualistas, tecnicistas e menos tradicionais, as pessoas têm menos preocupações com a busca de sobrevivência, justiça econômica ou comunidade, e passam a focalizar sua liberdade e felicidade individual. Isso reforça o capitalismo de consumo, leva a uma cultura terapêutica, centrada na felicidade e bem-estar pessoal, e reduz dramaticamente as taxas de natalidade.

A teoria da secularização de Inglehart foi publicada em 2021 na obra “O Súbito Declínio da Religião”[9] A evidência em demografia religiosa encontrada pelo pesquisador, a partir de 1981 e, mais radicalmente, de 2007, é massiva e contradiz a popular tese de dessecularização do mundo sustentada pelo sociólogo Peter Berger, para o qual não haveria nenhuma contradição entre modernidade e religião, e muito menos um declínio desta. Ron Inglehart descobriu que, em todos os países nos quais temos uma desregulamentação das leis e mudança dos costumes nos campos de sexo, fertilidade e família, segue-se um estonteante colapso da religião organizada, em apenas uma geração.

O que estaria por trás desse processo de mudança? Sem dúvida nenhuma as pressões do capitalismo de hiperconsumo afastam os indivíduos dos compromissos éticos em geral, ao mesmo tempo em que os prendem a hábitos de consumo essencialmente individualistas; “narciso libertado é narciso acorrentado’’, segundo a famosa expressão do filósofo francês Giles Lipovetsky. Mas temos também uma articulação ideológica. Em artigo publicado no Financial Times em Agosto[10], o jornalista John Burn-Murdoch chamou a atenção para a evidência de que os progressistas têm cada vez menos filhos que os conservadores,[11] e que isso não apenas cria um problema de sustentabilidade econômica para os países afetados, mas de representação política, no longo prazo. Mas o ponto de destaque, para nós, é que há uma associação não apenas estrutural, mas comportamental, entre o conservadorismo de valores, a fé religiosa e taxas de natalidade mais altas, e que o abandono desses valores está associado a menos interesse por família e filhos e a estilos de vida mais individualistas.

Retomando  a  tese de Inglehart: segundo ele, a pertença religiosa está ligada a um tipo de ética de comunidade com regras estritas de engajamento e compromisso. Uma vez que essas regras são alteradas ou abandonadas, a religião perde sua função como o que eu chamaria de catalisador de prosocialidade.[12]

O que é notável sobre o ocidente moderno é a convergência desses resultados com outros blocos de evidência, como a pandemia de sofrimento psicológico que se acelerou em escala global, incluindo os países mais ricos e desenvolvidos do mundo[13], o crescimento da solidão e do distanciamento social[14] e a supramencionada queda acentuada nas taxas de natalidade, com graves prognósticos econômicos. Esses sinais sugerem que a secularização, a crise da prosocialidade e o enfraquecimento na força de produção econômica são fenômenos interligados.

Quanto a tudo isso, o fator de maior interesse para a igreja e a missão é a constatação de que as questões de corpo, sexo e família não são questões privadas, paroquiais ou de costumes locais, mas questões estruturantes para a civilização e inseparáveis da vitalidade da religião e da comunidade. Essas descobertas mostram ressonância com a evidência bíblico teológica de que a vida evangélica tem entre suas primeiras manifestações éticas a santificação da sexualidade e a transformação agápica dos relacionamentos familiares, segundo o que fica amplamente claro nas epístolas apostólicas do Novo Testamento.

Uma implicação prática a derivar dessas descobertas é que, muito embora o centro da mensagem cristã não seja nenhum moralismo a respeito de sexo e família, e sim o anúncio da graça e do Reino de Deus, é uma enorme ingenuidade isolar a mensagem da graça de seus efeitos éticos e transformadores, incidindo sobre a ordem natural e provocando ressonâncias no sistema das relações humanas. Assim como a teologia revelada evoca uma teologia natural, a teologia evangélica evoca uma ética sexual evangélica, que por sua vez funciona como contexto significante e como estrutura de plausibilidade do próprio anúncio evangélico. Ou, aplicando a visão de Francis Schaeffer sobre a importância da demonstração cristã para o nosso tema, poderíamos dizer que vidas sexuais e familiares transformadas são parte da obra de pré-evangelização.

  1. A QUESTÃO SEXUAL PRECISA SER LIBERTADA DE SEU SEQUESTRO POLÍTICO

Pouco antes do fim de 2021, a brasilianista Amy Erica Smith (Iowa State University) e Taylor C. Boas (Boston University) disponibilizaram um paper fascinante, conectando o aguçamento das políticas de sexualidade pela esquerda com a ascensão da direita cristã na América Latina e no Brasil: “Religião, política sexual e a transformação dos eleitorados latinoamericanos”.[15] Os resultados foram apresentados no encontro anual da American Political Science Association.

O paper apresenta e discute os resultados de uma investigação científica sobre o comportamento eleitoral quando temas morais de interesse religioso ganham saliência na disputa pelos votos. Em termos simples: como as pessoas votam quando políticas de sexualidade e reprodução, como o aborto, ganham o centro das atenções? A pesquisa de Smith e Boas confirmou as intuições de muitos:

“Em uma região na qual temas materialistas como redistribuição econômica e controle do crime costumavam ser os maiores orientadores do voto, opiniões sobre gênero e sexualidade estão emergindo como uma nova clivagem que influencia a decisão nas eleições. Essas mudanças também estão mudando as implicações da religião para o comportamento eleitoral na região. Em uma era na qual temas materialistas dominavam a agenda, cristãos evangélicos latino-americanos tendiam a votar à esquerda, talvez por suas origens em classes baixas. Mas em tempos e lugares nos quais a política da sexualidade ganhou proeminência, essa minoria religiosa aliou-se ao bloco da direita. Onde o aborto está na agenda, os evangélicos são unidos a seus irmãos católicos, com ambas as tradições votando de modo mais conservador que os não religiosos. Assim, a ascensão da política da sexualidade está impulsionando a consolidação de uma nova direita cristã, uma base de suporte para candidatos como Jair Bolsonaro no Brasil – mesmo que a opinião pública, na média, esteja se inclinando a políticas mais liberais.”

Essas observações são muito importantes, porque contradizem a tese de que as igrejas evangélicas ou que líderes de direita tenham iniciado o processo de politizar as questões de sexualidade e “costumes”. A migração do voto evangélico para a direita tem relação, antes com uma reação inicialmente natural e religiosa contra a tentativa de certa elite político-cultural de forçar valores contrários à fé cristã. Citamos novamente Smith & Boas:

A emergência de novas clivagens eleitorais ao redor das políticas de sexualidade e religião deve ser atribuída não a mudanças demográficas graduais, como o crescimento do evangelicismo ou do desenvolvimento humano e da pós-modernização (…), mas antes a ações específicas das elites políticas, frequentemente em aliança com movimentos sociais progressistas.”

A tese de Smith & Boas, portanto, é que o recente ingresso dos evangélicos nas novas guerras culturais foi uma reação a uma estratégia desastrada de intervenção cultural das esquerdas nacionais.

Essa leitura é reforçada pelo trabalho recente do cientista político Victor Araújo a partir de sua tese defendida na USP, empregando métodos inovadores. Em “A Religião Distrai os Pobres?”, o Dr. Araújo sustenta que o conservadorismo moral dos pentecostais e da maioria dos evangélicos suplanta o peso das considerações econômicas no exercício do voto, e que mesmo políticas de transferência de renda são incapazes de inclinar o voto pentecostal em direção à esquerda. Mesmo em comparação com os evangélicos históricos — batistas, presbiterianos, metodistas e luteranos — o voto pentecostal é consistentemente conservador.[16]

O Dr. Araújo insistirá em que as pautas morais têm origem na própria religiosidade pentecostal. Eu acrescentaria que essa forma mais conservadora de religiosidade é adaptativa para as classes subalternas, porque eleva sua coesão moral e cooperação. Araújo observa ainda que a liderança pastoral tem um grande papel no reforço dessa moralidade, mas que do ponto de vista de classe ela é orgânica em relação às comunidades pentecostais. O próprio Araújo ajudou a explicar que a maior parte do crescimento evangélico não veio, ao contrário do que se pensava, dos grandes grupos midiáticos neopentecostais, mas da abertura de pequenas igrejas pentecostais nos grandes centros urbanos.

Ampliando ainda mais o quadro, podemos compreender a transformação do eleitorado evangélico brasileiro como a expressão local de um fenômeno de escala global. Em maio de 2021 o economista francês Thomas Piketty publicou, com outros pesquisadores, o resultado do maior survey até aquele momento das eleições em 21 democracias ao longo de mais de 70 anos, detectando a emergência de um sistema de partidos “multi-elite”.[17] Segundo o relatório, onde antes as classes inferiores tendiam a votar à esquerda e as elites culturais e econômicas à direita, emergiu uma nova configuração na qual as elites culturais, com maior renda e maior escolarização, passaram a votar à esquerda, especialmente em matérias de costumes e meio-ambiente, ao passo que as massas iniciaram uma conversão à direita, alinhando-se parcialmente com uma parcela da elite econômica. A nova configuração representaria um conflito entre a “esquerda brâmane”, treinada na universidade e reprodutora dos valores da elite acadêmica, operando tal qual uma casta, e a “direita mercantil”, as elites tradicionais. Ainda, segundo o relatório, a mudança no comportamento do eleitorado das classes inferiores foi reativo às agendas da elite cultural “brâmane”. O fato dessa transformação se repetir entre as maiores democracias liberais ocidentais e ser exportado para democracias do Sul Global, como o Brasil, evidencia os efeitos políticos da globalização, e denuncia a formação cosmopolita das elites culturais, uma vez que a oposição conservadora e proletária tende naturalmente a ser menos cosmopolita e a refletir culturas locais.

No caso do Brasil, os dados do último censo confirmam que o mundo evangélico tanto é mais conservador, quanto é mais pobre, mais feminino, mais negro e menos escolarizado. Mas esse quadro foi ainda mais clarificado pelo recente estudo “Populismo e progressismo no Brasil polarizado”[18], pelos institutos More in Common e Quaest, sob coordenação do Dr. Pablo Ortellado, confirmando com grande precisão as tendências observadas por Thomas Piketty. A pesquisa mostrou que 54% da população não é polarizada, 26% são moderadamente polarizados e apenas 10% (5% de cada lado) são extremamente polarizados. Comparando os extremos, no entanto, Ortellado confirmou que o grupo mais socialmente isolado compõe a nossa elite cultural – ou a nossa própria “esquerda brâmane”:

“É o segmento mais escolarizado (53% com ensino superior), mais rico (37% com renda maior que 10 mil reais), mais sem religião (41%) e mais branco (57%). É o único segmento que se define majoritariamente como progressista (78%) e a maioria tem simpatia pelos partidos de esquerda, PT (39%) e PSOL (16%). É muito engajado (71% consideram importante participar em manifestações políticas e 69% conversam com amigos e familiares sobre política) e se preocupa com a luta contra as desigualdades e as opressões de gênero e raça. Enquanto que para os demais segmentos valores como família e fé são preponderantes, para os Progressistas Militantes o valor primordial é a justiça social.”[19]

Assim, respondendo à militância da esquerda brâmane, evangélicos juntam-se a católicos praticantes, formando um bloco mais conservador que é pobremente representado nos valores das elites intelectuais, culturais e, em parte, econômicas do país, constituindo uma espécie de “proletariado cultural” naturalmente resistente a discursos hegemônicos da elite cultural.

Nesse contexto tanto global quanto local, as atuais “guerras culturais” podem plausivelmente ser interpretadas, segundo a hipótese de Taylor & Boas, como um movimento que não foi iniciado pelas igrejas, mas pela elite cultural secularizada, com seus esforços de universalizar seus valores por meio da universidade, da indústria cultural, do jornalismo[20], da educação e, particularmente, da militância política. Esse processo facilitou a aliança condicional dos evangélicos com os atores da nova direita, galvanizando sua postura contrária ao lulopetismo. A atual guerra cultural não é apenas de “direita versus esquerda”, mas também “de cima versus de baixo”. É um conflito diagonal entre os controladores dos meios de produção simbólica e o proletariado cultural em aliança condicional com uma parcela das elites tradicionais.[21]

A razão, no entanto, porque menciono os aspectos políticos das guerras culturais não é em princípio para influenciar as preferências político-partidárias dos pastores e líderes cristãos, mas tão somente para ajudar a iluminar os efeitos negativos que a penetração da militância identitária provocou no ambiente da igreja. Os esforços para estereotipar e desfigurar a ética sexual cristã tradicional foram imensamente deletérios, não apenas pelo risco de corromper a teologia evangélica, mas por acelerar o processo de radicalização política do mundo evangélico. A tentativa, finalmente fracassada, de legitimar entre os crentes o aborto, a prática homossexual, o casamento igualitário, e os valores LGBTQIAPN+ em geral, abriu um imenso processo de ruptura que lançou os evangélicos na mesma “polarização afetiva” descrita recentemente na pesquisa de Felipe Nunes e Thomas Traumann, que domina a sociedade atual.[22]

Essa hiperpolitização artificial da questão da ética sexual engendrou, entre os cristãos mais conservadores – em sua maioria – uma reação polar de alinhamento com a nova direita e criou, entre cristãos de orientação política à esquerda, uma hesitação em sustentar publicamente a ética sexual cristã tradicional, para evitar “fogo amigo” de seus pares à esquerda e, especialmente, da esquerda brâmane. Nesse sentido a polarização política turvou a natureza fundamentalmente ética e teológica da questão.

Retomar os princípios da fé evangélica e da ética sexual cristã constitui um passo necessário para desenganchar o tratamento espiritual e pastoral da questão sexual de suas amarras da militância político-partidária. Uma pacificação confessional dessa natureza poderia até mesmo reduzir a distância entre evangélicos ortodoxos que estão em polos políticos diferentes, e oportunizar diálogos mais frutíferos.

Saber o que pensar como cristãos a respeito da ética sexual seria per se motivação suficiente para uma declaração de fé e sexualidade, muito embora a maioria de nós, que seja solidamente evangélica, já o saiba em boa medida, faltando a alguns apenas a coragem para sair da penumbra. Mas além disso, a questão tornou-se teopolítica; não meramente “política”, no sentido horizontal de política partidária, mas no sentido vertical das relações entre igreja e estado, e do reino de Deus diante dos reinos dos homens. Em última análise, a motivação final para enfrentarmos a questão da ética sexual cristã não é, e jamais poderia ser, solucionar qualquer problema político terreno ou oferecer qualquer contribuição ao futuro da nação. A resposta teopolítica que a igreja deve apresentar, neste momento, é dar a Deus o que é de Deus, libertando a questão afetivo-sexual do seu presente cativeiro babilônico político-partidário e tratando-a como nós devemos tratá-la: como um assunto espiritual, teológico e pastoral.

  1. A QUESTÃO SEXUAL É URGENTE PARA A UNIDADE CRISTÃ

Há, entre nós, irmãos queridos para os quais o debate sobre a ética sexual cristã é uma ameaça à unidade da igreja e à própria missão da Aliança Evangélica. Para eles, a busca de ortodoxia costuma dividir as igrejas, e por esta razão, os evangélicos não deveriam tentar normatizar essas coisas.

Temo que essa concepção transpareça uma noção insuficiente quanto à natureza da unidade cristã. Pelo contrário – e reproduzo aqui uma explanação que já apresentei em outro documento – a concepção de que a busca de unidade precisa suspender a consideração sobre “falsas doutrinas” e “rejeições” está em contradição direta com os ensinos bíblicos a respeito da unidade. A carta aos Efésios, um dos mais importantes manifestos eclesiológicos do Novo Testamento, jamais estabelece uma contradição entre ortodoxia evangélica e unidade da igreja. Pelo contrário, como se lê no capítulo 4, a convergência da fé e a recusa dos ventos de doutrina é assumida como ponto de partida e base segura para a unidade. As práticas do apóstolo Paulo e do apóstolo João combinam consistentemente o trabalho pela unidade das igrejas com o questionamento e a resistência a práticas e doutrinas que ameaçavam a identidade e saúde das igrejas.

Além disso, vale insistir, celebramos neste ano de 2025 os 1700 anos do Concílio de Nicéia (325 A.D.), quando se consagrou a afirmação da unidade hipostática do Deus unigênito com o Jesus humano, e a igreja foi caracterizada como “Una, Santa, Católica e Apostólica”. A tese de que a preservação da unidade deva prescindir da santidade da igreja contradiz a Escritura e a tradição. Pelo contrário, qualquer proposta de unidade que exclua metodologicamente a busca de pureza na igreja não pode ser a verdadeira unidade cristã.

Existiria verdadeira unidade enquanto deliberadamente procuramos manter nossa posição em um assunto tão doloroso e urgente na mais completa penumbra? Será a ambiguidade um caminho para a unidade? Não é o que aprendemos na 1 Carta de João: “se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros…” Não existe comunhão na penumbra.

Eu concordaria que suspender discussões sobre assuntos secundários ou sobre os famosos “adiáfora” pode ser muito importante para a unidade. Concordaria também em suspender ou desinflamar as discussões sobre assuntos de alta complexidade técnica, como questões geopolíticas, ou que envolvem teorias de estado ou modelos político-econômicos e temas em geral que não podem ser facilmente resolvidos com recurso à teologia bíblica e à tradição da igreja. Mas não funciona assim com assuntos morais essenciais. O esquivamento desses assuntos é similar à postura de um indivíduo que não vai ao médico para não descobrir que está doente e não ter que cancelar sua viagem de férias.

Consideremos a posição tomada pelo próprio movimento de Lausanne, uma das referências desta Aliança. Ciente da insuficiência dos seus documentos originais, no tocante ao tema da sexualidade, e ciente da sua urgência, o movimento tomou a sábia providência de se pronunciar a respeito. A Declaração de Seul, produzida no ano passado, já é bem mais específica sobre os pontos de fé e sexualidade do que alguns associados ou amigos da Aliança, e não poucos evangélicos professos parecem dispostos a ser. Será coerente que os apoiadores de Lausanne no Brasil se movam para a retaguarda no assunto?

As rupturas das últimas duas décadas em diversas igrejas e denominações ao redor do tema da ética sexual tem ocorrido pela tentativa de alguns de operar uma síntese da fé com valores da revolução sexual e teses do movimento LGBTQIAPN+ que, além de serem inerentemente problemáticas do ponto de vista teológico e ético, sempre vêm associadas com uma relativização explícita ou implícita da autoridade das Escrituras, em conflito com o centro evangélico (e, particularmente, com a concepção do movimento de Lausanne). Essas rupturas não aconteceram por insegurança ou dúvida teológica, mas precisamente porque os setores mais avivados, evangelísticos e bíblicos dessas denominações recusaram as inovações e reafirmaram a ética sexual cristã tradicional. Trabalhos em defesa e em oposição a essas inovações foram escritos, e igrejas produziram documentos de fé, mas as únicas igrejas que aceitaram bem as inovações foram as igrejas que já haviam renunciado à autoridade bíblica e que já operavam com padrões teológicos “liberais” (a grosso modo). A essa altura é seguro dizer que não apenas a Igreja Católica, mas a maior parte do movimento evangélico já disse um claro não a essas inovações. Diante disso, resistir à tomada de posição seria uma postura retrógrada.

Ademais, devemos compreender que a falta de clareza sobre aspectos da fé e da prática que tem grande importância para a vida das igrejas pode tornar possível a participação, na Aliança, de igrejas e organizações que estão afastadas do espírito da fé cristã evangélica e que tem pouca consciência disso.

A definição atualizada e específica dos limites teológicos e éticos da cooperação evangélica é um ato de respeito e honestidade para com aqueles dentro e fora da Aliança, que passariam a ter mais segurança sobre as bases da cooperação e sobre o tipo de projeto religioso no qual estão inseridos. Ambiguidade e obscuridade teológica não é respeito e não produz unidade.

Finalmente, reproduzo a proposta que já fiz aos irmãos do Conselho Coordenador da Aliança Cristã Evangélica Brasileira:

Por um Momento Niceno na Aliança Evangélica

Evidentemente não é o papel da Aliança Evangélica descer a especificidades teológicas que competem a confissões de fé denominacionais. Mas a busca de unidade não pode prescindir de definições teológicas e éticas. Como já foi observado aqui e em outras conversas, novos documentos se fazem necessários quando a situação histórica traz novas demandas, como é o caso.

Diante disso eu proponho um método; uma política sistemática para a produção e validação de tais documentos. Para lançar as bases para uma cooperação evangélica mais ampla e de longo prazo, seria necessário complementar, às ênfases na unidade e na missão, outros dois movimentos em busca de normatização: o movimento “protestante” e o movimento “católico”:

  1. O movimento protestante pela renovação do “centro”: buscar maior clareza sobre o que nos define como evangélicos, e sobre o que fazer para promover a renovação espiritual contínua a partir desse centro de fé e experiência religiosa. Esse movimento contínuo de recuperação do núcleo bíblico e experiencial da fé e da pureza da igreja é um dos distintivos da tradição protestante, o que nos define como evangélicos;
  2. O movimento pela integralidade ou “catolicidade”: ainda que lentamente, com perspectiva de longo prazo, buscar a articulação de uma convergência ética evangélica, sem cores político-partidárias, de moldes similares à doutrina social da ICAR, que contemple os diversos desafios éticos e pragmáticos da vida contemporânea, de modo consistente com o “centro” da fé. Isso não significaria que todos os documentos seriam “normativos”; mas haveria ao menos posições oficiais com propósitos pastorais e pedagógicos que podem contribuir para a unidade mais ampla da igreja.

O que se propõe, desse modo, é que esses dois movimentos, de recuperar a pureza do centro e simultaneamente expandir os horizontes, sejam empregados em equilíbrio dinâmico, para que a busca de unidade na missão ao mundo pela Aliança e pela comunidade evangélica em geral não se degenere em mero coleguismo, pusilanimidade moral e teológica, ou adesismo a agendas da sociedade secular.

Em outros termos, no ano em que celebramos os 1700 anos do Concílio de Nicéia, proponho um “Momento Niceno” na Aliança Evangélica e para todo o campo evangélico, no qual poderíamos nos comprometer a não falar em unidade da igreja ignorando sua santidade, sua catolicidade e sua Apostolicidade.


ACESSE AQUI: DOZE ARTIGOS SOBRE SEXUALIDADE


[1] Matthew Levering, Engaging the Doctrine of Marriage: Human Marriage as the Image and Sacrament of the Marriage of God and Creation (Eugene: Cascade Books, 2020).

[2] Segundo o ensino de Tomás de Aquino, ecoando a antiga luta contra o gnosticismo e a grande tradição da igreja, “a graça não anula a natureza, mas a aperfeiçoa”. Para uma excelente defesa da visão básica de Tomás em uma ótica protestante, cf. Paul Helm, “Nature and Grace”, em: Svensson & Van Drunen, Aquinas Among the Protestants. Oxford: Wiley-Blackwell, 2018, p. 229-247.

[3] Cf. Dietrich Bonhoeffer, Ética (São Leopoldo: Sinodal – EST, 2013).

[4] Para uma apresentação em vídeo sobre a “Cultura do Self”, cf. https://youtu.be/fc8qbdZEx1g?si=I3C0qTVPxjdUz2BO. Recomendo também a obra de Carl Trueman, Ascensão e Triunfo do Self Moderno (Cultura Cristã, 2024).

[5] Nesse sentido, a tese de James K. A. Smith de que a ética sexual não se incluiria entre os temas de “primeira ordem” na teologia cristã, mas seria assunto de “segunda ordem” e não-essencial à ortodoxia, não poderia ser mais perniciosa. Pois muito embora as questões éticas sejam, em todo o caso, derivativas em relação aos fatos centrais do evangelho e do credo, os modos de negação do credo podem ser extremamente variáveis na história do dogma. Uma falha sexual não é, per se, uma negação dos fundamentos da fé; tudo depende do seu contexto imaginativo. Mas esse é justamente o nosso caso: os elementos neognóstico, antropocêntrico e hedonista na revolução do Self, por trás das tentativas de revisar a ética sexual cristã, colocam essa revolução em conflito, respectivamente, com as doutrinas da Criação, com a Cristologia ortodoxa e com a doutrina do Espírito Santo, a partir de um flanco moral. E na medida em que as heterodoxias no assunto da ética sexual veiculam, como vetores, o imaginário anticristão da cultura secular, é seguro dizer que elas representam uma ameaça sistêmica aos assuntos de primeira ordem da fé cristã.

[6] Cf. Mark Regnerus, Cheap Sex: The Transformation of Men, Marriage, and Monogamy (Oxford University Press, 2017); e The Future of Christian Marriage (Oxford University Press, 2021). Cf também o trabalho de Mary Eberstadt, As Falsas Promessas da Revolução Sexual (Quadrante, 2019).

[7] Joseph Henrich, Robert Boyd, and Peter J. Richerson, ‘The Puzzle of Monogamous Marriage’, Philos. Trans. R. Soc. B, 367.1589 (2012), 657–69 <https://doi.org/10.1098/rstb.2011.0290>. Joseph Henrich, The WEIRDest People in the World: How the West Became Psychologically Peculiar and Particularly Prosperous (New York: Farrar, Strauss & Giroux, 2020). Natalie Henrich and Joseph Henrich, Why Humans Cooperate: A Cultural and Evolutionary Explanation (Oxford: Oxford University Press (OUP), 2007).

[9] Ronald F. Inglehart, Religion’s Sudden Decline What’s Causing It, and What Comes Next? (Oxford: Oxford University Press (OUP), 2021).

[10] “Why progressives should care about falling birth rates: Falling fertility levels are making the word more conservative, and may harm rather than help the planet”. Financial Times, 29/08/25.

[11] Aparentemente a queda de natalidade entre os progressistas começou a piorar ainda mais radicalmente a partir de 1990 – ou seja, simultaneamente com a revolução do Self e ascensão do identitarismo na esquerda. Cf. Fieder M and Huber S (2018) “Political Attitude and Fertility: Is There a Selection for the Political Extreme?” Front. Psychol. 9:2343. doi: 10.3389/fpsyg.2018.02343.

[12] As teses de Henrich e de Inglehart convergem com a teoria da sociedade do filósofo e historiador neerlandês Roel Kuiper. Cf R. Kuiper, Capital Moral: O Poder de Conexão da Sociedade (Brasília, D.F.: Monergismo, 2019).

[13] Vikram Patel, Shekhar Saxena, Crick Lund, Graham Thornicroft, Florence Baingana, Paul Bolton, et al. The Lancet Commission on global mental health and sustainable development, The Lancet, Vol. 392, No. 10157, p1553-1598, 2018. Cf. https://www.thelancet.com/commissions-do/global-mental-health.

[14] Vivek Murthy, Our Epidemic of Loneliness and Isolation 2023: The U.S. Surgeon General’s Advisory on the Healing Effects of Social Connection and Community. Cf. https://www.hhs.gov/sites/default/files/surgeon-general-social-connection-advisory.pdf

[15] Amy Erica Smith and Taylor C Boas, ‘Religion, Sexuality Politics, and the Transformation of Latin American Electorates *’, Annual Meeting of the American Political Science Association, 2020, 53.

[16] “Não está claro ainda se a rejeição dos pentecostais ao PT se revela nas eleições para outros cargos eletivos. Também não quer dizer que a antipatia à esquerda no Brasil esteja restrita ao grupo dos evangélicos pentecostais: esse sentimento de oposição irrestrita possui lastro em outros segmentos da sociedade brasileira e se correlaciona com formas diferentes de conservadorismo. Mas tratar o fenômeno como se fosse restrito às elites brancas com alto nível de instrução simplifica algo complexo em sua essência. Como a maioria dos pentecostais reside na periferia dos grandes centros brasileiros, ocupa o mercado de trabalho informal e recebe até dois salários-mínimos, quem rejeita a esquerda nas urnas é menos branco, rico e escolarizado do que o sugerido anteriormente. Pentecostais são mais antipetistas do que qualquer madame.” Victor Araújo, A Religião Distrai Os Pobres? O Voto Econômico de Joelhos Para a Moral e Os Bons Costumes (São Paulo: Almedina, 2022), p. 76.

[17] Amory Gethin, Clara Martínez-Toledano, Thomas Piketty: Brahmin Left versus Merchant Right: Changing Political Cleavages in 21 Western Democracies, 1948-2020. World Inequality Lab – Working Paper N° 2021/15, 05/05/2021.

[18] Pablo Ortellado et alli, “Populismo e progressismo no Brasil polarizado”. Instituto More in Common, Outubro 2025. Disponível em: https://moreincommon.org.br/#:~:text=nosso%20relatório%20sobre%20%22-,Populismo,-e%20Progressismo

[19] Ibid, p. 12. Os pesquisadores observam que o isolamento econômico, religioso e ideológico da elite cultural nacional tem sido empregado de forma populista pela direita com fins eleitorais (p. 28), mas admitem que essa elite é muito mais politizada do que os outros brasileiros incluindo a própria direita “patriota” (p. 15). Diante desses dados, no entanto, pareceria mais honesto reconhecer que o argumento conservador contra a elite brâmane brasileira simplesmente procede.

[20] Segundo pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina em 2021, 80,7% dos jornalistas se descreve como de esquerda, e 4% de direita. Cf. https://perfildojornalista.paginas.ufsc.br/files/2022/06/RelatorioPesquisaPerfilJornalistas2022x2.pdf. No Reino Unido, o percentual de jornalistas de esquerda atinge 77%, segundo pesquisa da Reuters. Diante do recente escândalo envolvendo a cúpula da BBC em desinformação política contra Donald Trump, o Jornal Estado de São Paulo publicou um pertinente editorial de advertência em 12/10/25 sobre “O Perigo do Jornalismo Militante”. Em termos sociológicos, podemos ver o jornalismo brasileiro e parte do jornalismo global como uma seção da elite cultural cosmopolita, controladora dos meios de produção cognitiva e avalista da cosmovisão da esquerda brâmane.

[21] Para um modelo teórico de como as novas guerras de classes, centradas no controle do capital simbólico, vem se desenvolvendo no ocidente, cf Michael Lind, The New Class War: Saving Democracy from the Metropolitan Elite (London: Atlantic Books, 2020). Uma abordagem similar, a partir de outros referenciais, foi produzida pelo geógrafo francês Christophe Guilluy, O Fim Da Classe Média: A Fragmentação Das Elites e o Esgotamento de Um Modelo Que Já Não Constrói Sociedades (São Paulo: Record, 2020).

[22] Nunes & Traumann, Biografia do abismo: Como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil (Harper Collins, 2023).

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