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O “nó” da proteção das crianças nas igrejas

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Por Lissânder Dias

A visão de Jesus Cristo sobre as crianças é muito mais revolucionária do que parece. Além de priorizá-las de forma prática (Mt 19.13), ele as colocou como uma espécie de modelo espiritual em seu reino (Mt 18). Só o fato da encarnação de Cristo já mostra o valor da criança para Deus. Mas se assim o é, há um “nó” a ser desatado: a falta de proteção a elas nos ambientes comunitários das igrejas.

Como ambiente de expressão da graça de Deus, as igrejas deveriam ser os exemplos de proteção daquelas que Jesus priorizou. Mas por vezes não é o acontece. Onde estamos errando? Que caminhos deveríamos seguir para que as nossas igrejas locais sejam lugares seguros para os pequeninhos?

Essas e outras perguntas foram temas da live “Quem protege as crianças nas igrejas?”, realizada no último dia 18 de outubro pelo Diálogos de Esperança. Os convidados foram Terezinha Candieiro, teóloga batista e responsável pela implementação de políticas de proteção infantil nas igrejas locais batistas de 30 países, e Carlinhos Queiroz, teólogo e escritor na área de espiritualidade e missão. A moderação ficou a cargo de Valdir Steuernagel.

A religião e a criança

Para Terezinha, parece ser uma contradição falar sobre falta de proteção de crianças nas igrejas, mas o fato é que a comunidade de fé é composta por pessoas imperfeitas. “Quando as pessoas se reúnem para celebração da fé, suas imperfeições também se manifestam. Então as crianças estarão expostas a riscos e ameaças também nesses lugares”, afirma ela. E pergunta: “quem são as pessoas que lidam com as crianças nas igrejas? Temos critérios para escolher essas pessoas? Se não temos, estamos colocando as crianças em risco. Não basta termos uma estrutura física segura para elas; precisamos também proporcionar às crianças relacionamentos seguros”.

Carlos Queiroz acrescentou que a desproteção infantil vem também de uma ambiência cultural violenta, que ultrapassa os limites da igreja. Lembrou da época que morou em Angola, um país marcado pela guerra. Lá as crianças faziam armas de brinquedo com galhos de árvores. Sobre o aspecto religioso, Queiroz afirma que a exclusão é o primeiro passo para a violência. “A igreja é um espaço religioso, e a religião é burocrática, é coisa de adultos. É da natureza da religião que a criança esteja à margem dos espaços de convivência da burocracia religiosa. Aí criamos ambientes separados para as crianças, porque achamos que elas irão atrapalhar a burocracia dos adultos, vão fazer barulho. Isso já é uma violência de exclusão. Mas não era assim que Jesus agia. Ele as acolheu plenamente”, diz. Queiroz ressaltou que quanto mais as crianças são incluídas na igreja, menos chances têm aqueles que querem abusá-las.

Falar é o primeiro passo

Terezinha é coordenadora da Rede PEPE (Programa de Ensino dos Princípios do Evangelho), que é um programa socioeducativo missionário promovido em parceria com igrejas evangélicas e comunidades no Brasil e em diversos países da América Latina, África e Sudeste da Ásia. A partir de sua experiência de 14 anos apoiando igrejas em 30 países, Terezinha compartilhou que os líderes tinham muita dificuldade em simplesmente falar sobre o assunto da violência infantil. “Começar a falar foi uma ação de proteção que as igrejas, no primeiro momento, ficaram assustadas, temerosas, mas, aos poucos, trabalhando com os projetos, elas começaram a se abrir, a assumir e ver essa necessidade. Sendo sensibilizadas, se tornaram dispostas a aprender sobre como cuidar das crianças em ambientes inseguros. Falar é terapêutico, e sensibilizar é o primeiro passo”.

Deus ouve o choro do menino

Conversando ainda sobre a relação de Deus com as crianças, Terezinha e Carlos relembraram a passagem bíblica em que Deus “ouviu o choro do menino”, Ismael, filho de Hagar, no deserto de Berseba (Gn 21.14-21). “Quando Deus ouve o choro no menino, ele também abre os olhos da mãe de Ismael para que ela veja que há uma fonte de água em meio ao deserto. Assim ainda hoje Deus ouve os choros das crianças para que os adultos perceberam as fontes, os recursos que Deus nos dá para o cuidado das crianças”, diz Terezinha. Para Carlos, uma lição que ele aprendeu a respeito é que “quem não suporta o choro de uma criança não suporta choro de ser humano algum”.

Carlos também falou sobre a oração do Pai Nosso, onde a expressão “Pai nosso que estais no céu” provavelmente seria a mesma usada por uma criança balbuciando pela primeira vez “papai”. “Jesus está dizendo que precisamos aprender a nos colocar nos braços de Deus como crianças. A criança é o roteiro para entendermos mais o Deus relevado em Jesus Cristo de Nazaré”.  Para Valdir, “a Bíblia não é o livro dos adultos que exclui as crianças. A Bíblia é esse livro que chama os adultos para a conversão e coloca as crianças como sinal do reino de Deus. É a pedagogia do avesso de Jesus”.

Estatísticas

Algumas estatísticas relevam que a violência contra as crianças é uma das chagas da sociedade brasileira. Entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil – uma média de 7 mil por ano. Além disso, de 2017 a 2020, 180 mil sofreram violência sexual – uma média de 45 mil por ano. Os dados são do Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado pelo UNICEF e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com uma análise inédita dos boletins de ocorrência das 27 unidades da Federação.


Playlist do Diálogos de Esperança
Assista a todas as lives já realizadas aqui.

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